sábado, 12 de abril de 2008

Em Si No Samba

A banda toca agora os primeiros lamentos de um samba-canção, daqueles tão sofridos e tristes. O choro da cuíca se mistura aos soluços e suspiros da menina que se levanta e põe-se a dançar.

Ele a olhou dançar a certa distância seguindo o frio que esmorecia na lata gelada...

[Solidão é lava que cobre tudo...]
Aos poucos, vai-se permitindo embalar pelos acordes suaves da música. Identificando-se com a letra, ou nem prestando atenção, vai rodando melodiosamente por aquele salão que parece gigantesco, para se dançar sozinha.

[Solidão é lava que cobre tudo...] Imaginou porque rodava sozinha, se tão bela.. se tão graciosa.. se tão digna de atenção que deveria ali haver uma platéia tão digna dela...

[Amargura em minha boca...]
A saia rodada se levanta aos poucos, a cada volta que a menina dava, deixando aparecer os joelhos, um pouco frouxos pelo efeito do drink que ainda segurava e lhe amargava as papilas.

[Amargura em minha boca...] Bebeu da cerveja amarga, deixando-se encantar pelo rodopiar das saias que mantinhas suas idéias bailando...

[Solidão palavra cravada no coração...]
O peito cheio de sensações misturadas. Sentimentos confusos e esperanças adiadas. O corpo, embalado pelo tuc tuc do pandeiro, se recusava a responder a qualquer um desses sentimentos. Apenas a música lhe movia neste momento.

[Solidão palavra cravada no coração..] Percebia que o salão esvaziava, mas ele estava agora hipnotizado por aquela dança. Pela sintonia entre os descompassos dela e daquele samba.. uma trama sedutora certamente...

[Resignado e mudo...]
Aos poucos o salão foi-se esvaziando, e as pessoas, a esta altura já meio bêbadas, espantavam-se ao ver a moça que ainda rodava, cada vez mais solitária naquele salão.

[Resignado e mudo...] Mas ele preferia apenas assistir. Fora uma longa noite de longas histórias e a satisfação de contemplar uma musa dançante era melhor que cerveja.. que alívio.. era melhor que falar...

[No compasso da desilusão...]
Um ou dois homens tentaram lhe fazer companhia. Talvez por pena, ou porque interessaram-se por ela, que afinal, não era uma moça feia. Ela recusou. Aquela noite seria dela. Somente dela e de mais ninguém. Já gastara tantas noites com outras pessoas...

[No compasso da desilusão...] Viu os outros homens, que ao contrário dele não conseguiram conter a líbido ou a piedade e dela se aproximaram.. sendo rechaçados.. ele bem sabia.. ela estava ali para ser estrela e não constelação...

[Danço eu, dança você, na dança da solidão...]
A banda parou. Ela parou de dançar, buscou sua bolsa e comprou uma bebida mais. Bebeu sozinha, quando as luzes já começavam a se apagar. Pegou um taxi e foi pra casa com a sensação de que ganhara a si mesma naquela noite...

[Danço eu, dança você, na dança da solidão...] A banda parou. Ela parou. Foi até o balcão e tomou uma última bebida antes de ir-se em um táxi. Ele sorriu. Acendeu um cigarro e foi ver mais uma estrela nascer na praia...


***Os trechos azuis chegaram depois, mas só fizeram acrescentar, vindos diretamente das mãos sensibilíssimas de um cara que tô conhecendo agora, mas que tem o dom de usar as palavras. E Salve Jorge!!! Muito obrigada pelas suas palavras!!!***

9 comentários:

Filipe Garcia disse...

Oi.

Sua criatividade foi peculiar, fazendo dentro do samba um quadro com uma história tão singela. Percebo sua paixão pela música...

Ressalto aqui uma frase sua que gostei ao extremo: "com a sensação de que ganhara a si mesma naquela noite..." Bonito isso. Bonito demais essa sensação de ter ganhado a si mesmo e não ganhado beijo de estranhos, cantadas de bêbados, sorriso de paqueradores...

Obrigado pelo seu rastro lá no mundo. E claro, fique á vontade pra fazer uso da frase que gostou.

Beijos.

Thaís disse...

Mas ela tão.
Tão colorida!

Deixa ela.
Deixa ela dançar!

Flor, iluminou meu dia!
bjo

Anônimo disse...

Eu adoro essa música! E o seu texto intercalado com ela ficou ótimo!

Sabe, o que eu mais acho legal na literatura e nos blogs é a possibilidade de identificação. Muitos dos meus textos atuais nasceram por conta de outros, que eu li em blogs. As pessoas não são tão diferentes quanto pensamos. Mudam-se os lugares, as situações, mesmo as pessoas. Mas os sentimentos, esses são universais.
Que bom que você se identifica com o que eu escrevo. Fico muito feliz e agradecida.

Beijos.

Salve Jorge disse...

Ele a olhou dançar a certa distância seguindo o frio que esmorecia na lata gelada...

[Solidão é lava que cobre tudo...]

Imaginou porque rodava sozinha, se tão bela.. se tão graciosa.. se tão digna de atenção que deveria ali haver uma platéia tão digna dela...

[Amargura em minha boca...]

Bebeu da cerveja amarga, deixando-se encantar pelo rodopiar das saias que mantinhas suas idéias bailando...

[Solidão palavra cravada no coração..]

Percebia que o salão esvaziava, mas ele estava agora hipnotizado por aquela dança. Pela sintonia entre os descompassos dela e dquale samba.. uma trama sedutora certamente...

[Resignado e mudo...]

Mas ele preferia apenas assistir. Fora uma longa noite de longas histórias e a satisfação de contemplar uma musa dançante era melhor que cerveja.. que alívio.. era melhor que falar...

[No compasso da desilusão...]

Viu os outros homens, que ao contrário dele não conseguiram conter a líbido ou a piedade e dela se aproximaram.. sendo rechaçados.. ele bem sabia.. ela estava ali para ser estrela e não constelação...

[Danço eu, dança você, na dança da solidão...]

A banda parou. Ela parou. Fou até o balcão e tomou uma última bebida antes de ir-se em um táxi. Ele sorriu. Acendeu um cigarro e foi ver mais uma estrela nascer na praia...

Salve Jorge disse...

Salve salve Dona Mah.. bem o texto lhe foi dado e agora podes fazer com ele tudo aquilo que quiser.. eu ficaria deveras lisonjeado em ter minhas palavras na vitrine da tua virtualidade..
Elas foram envoltas na cadência do teu samba...
Beijos e inté

Kika disse...

Impressionante descobrir que a moça são duas... impressionante se descobrir na moça.

ֹmarcos coletta disse...

sim moça... a felicidade tá aí!

e tudo é jazz. e tudo é samba.. e até a dança da solidão serve de companhia quando os dias se pintam em cores vivas..

bejo!

Salve Jorge disse...

Como eu disse antes.. lisonjeado e envaidecido.. e sempre à espera por mais uma dança...
Beijos

[P] disse...

"Pegou um taxi e foi pra casa com a sensação de que ganhara a si mesma naquela noite..."

Adorei isso! Principalmente porque o importante não é ganhar a todos, mas a si mesma.

Beijos pro'cê, Marina.

ps: minha falta de tempo me impediu de vir aqui antes para agradecer sua visita ao meu blog e as palavras gentis deixadas por lá...

:)