segunda-feira, 24 de novembro de 2008

do alto

Passeando com meu galã, (para quem não o conhece, galã é o meu fusquinha bege) no final daquela tarde amarelada de primavera, eu o vi.
Ele estava lá, parado, só olhando o movimento do trânsito e das pessoas que transitavam mais mecânicas que os automóveis.
Indiferente a tudo e a todos, olhava de cima, e até arriscava cantarolar umas notas musicais, sem se importar com o caos estabelecido ante seus olhos.
Da mesma forma que parecia não se importar com as pessoas, quase ninguém o percebeu ali, apenas eu, que me peguei invejado-o.
Eu, que estava correndo contra o relógio e contra o próprio Tempo, o mirava...
E ele ali, naquela calma, naquela paz...

Ah, passarinho, como eu queria ter suas asas e estar aí no seu lugar!
Aí, no alto do fio elétrico, podendo ver a cidade de cima sem necessidade de ser parte dela...

olhos

Outro dia me disseram que eu tenho olhos de quem procura
De quem está sempre procurando alguma coisa
É, acho que sigo mesmo numa busca
Uma busca tão intensa e que me toma tão profundamente
Que me obstina e me cega
Que ainda não sei o que busco
Busco o que buscar, acho que é isso!
Quero tudo e tanta coisa, que não sei o que querer
Amo tanto e tão intensamente, que desacredito no amor
Sigo por um caminho com várias ramificações
E estou tão perdida, que tento seguir por todas ao mesmo tempo...

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Meus Reflexos no Espectro de Clarisse

Ai que vontade de voltar a ser minha
Dona das minhas vontades e das minhas paixões
Que vontade de voar
Alçar vôos longos e alcançar outros mundos
De sair do meu mundinho de faz de conta
"Faz de conta que ela era uma princesa azul
Faz de conta que ela amava e era amada
Faz de conta que não precisava morrer de saudade
Faz de conta que vivia..."
Faz de conta que voava
Mas tenho as asas quebradas
"E estou cansada
Não suporto mais a rotina de me ser"
Nada acontece e tudo ao mesmo tempo
Queria ser dona do meu tempo
Ajustar ao meu relógio
O tempo dos meus sonhos
Para que o despertador não me acorde mais
antes de acontecer o ansiado
ou depois que de acontecida a decepção
Mas ainda sonho
"Faz de conta que vivia e que não estivesse morrendo
pois viver afinal não passava de se aproximar
cada vez mais da morte"
Ah, como eu queria morrer só um pouquinho
pois dormir já não descansa mais
"Não se assustem, morrer é um instante,
passa logo, eu sei"
E como eu sei...
Pois eu me morro "simbolicamente todos os dias"
Ah que vontade de adocicar minhas ilusões
com o melado daquilo que é inconsciente
Que adocica e venda e impede
Impede aquilo que me impede de iludir-me total e cegamente.
"Ah que vontade de alegria.
Estou agora me esforçando para rir em grande gargalhada.
Mas não sei porque não rio."
Talvez porque tenho sono
E meu corpo quase ja não me responde.
Talvez eu sonhe esta noite
E num desses sonhos perceba que a minha vida está mudada.
E eu acorde grávida!
"Uma pessoa grávida de futuro."
E de caminhos, e de estradas, e de sonhos...
Uma pessoa grávida de desejo!
"Ela sabia o que era o desejo - embora não soubesse que sabia.
Era assim: ficava faminta mas não de comida,
era um gosto meio doloroso que subia do baixo-ventre
e arrepiava o bico dos seios e os braços vazios sem abraço.
(...)
Tudo de repente era muito e muito
e tão amplo que ela sentiu vontade de chorar.
Mas não chorou: seus olhos faiscavam como o sol que morria."

"E agora - agora só me resta acender um cigarro e ir para casa.
Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. "

Inserção de fragmentos tirados de "Espectro de Clarisse", roteiro teatral que se baseia no texto "A Hora da Estrela" e na biografia da autora Clarisse Lispector.